Como ponta pé inicial, escolhi, “geografizar” VERDADES E MENTIRAS como filosofias de vida, que se extinguem, se renovam e se diferenciam a cada cotidiano traçado sorrateiramente sobre o planeta Terra e seus habitantes, pelos agentes do tempo e seus desígnios históricos. Aqui não se pretende decifrar a Verdade, muito menos extinguir a Esfinge que assombra o mundo atualmente, assim como já fez Édipo na mitologia da Grécia de Sófocles, apenas provocar discussões sobre verdades e mentiras, conhecimentos ou desconhecimentos que marcam nossa atualidade histórica.
Assim como no cotidiano histórico de Édipo, nosso cotidiano é marcado por verdades dúbias, o fenômeno da globalização mundial por meio das técnicas de comunicação e informação, nos faz perceber um mundo único, onde tudo é possível de ser conhecido e passível de ser explorado. Conseguintemente a esta simultaneidade de fenômenos e fatos, a sensibilidade torna-se algo majoritariamente virtual e a concepção de verdades e mentiras se efetivam amplamente e constantemente ofertam a cada um sua própria Esfinge. Na Grécia Antiga, a Esfinge estava localizada na entrada de Tebas, interrogando a todos que por ventura viessem à cidade, com a seguinte pergunta: “Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três?” Ao responder que era o homem, Édipo, decifrou o enigma e libertou os tebanos dos desígnios da Esfinge, tornando-se rei, porém, ao se livrar do estrangulamento, ofertado a todos aqueles que não decifrassem a pergunta do ser mitológico, ele, mergulha no seu próprio destino efetivando a previsão do oráculo, feita anteriormente ao seu nascimento, de que o mesmo, mataria seu pai e assumiria o trono dos tebanos, casando-se com sua mãe.
Não cabe aqui discorrer sobre a tragédia única de Édipo, como bem fez Sófocles ou Freud, mas localizar nessa narrativa mitológica, um momento de transição único na história do ocidente que seja similar ou parecido ao vivenciado atualmente, com a globalização do conhecimento e das técnicas. A decodificação do enigma da esfinge simboliza a superação das imposições “divinas” de uma entidade superior e seus conhecimentos, favorecendo a verdade humana, construída racionalmente e individualmente.
Milton Santos, no livro Por uma outra globalização: Do pensamento único a consciência universal, afirma que vivemos um momento de paradoxos, onde o mundo é apresentado como sendo uma “fábula perversa”, porém não deixando de ofertar possibilidades diversas. O discurso único, imposto pelos mais variados meios de comunicação, nos levar a perceber que estamos numa espécie de “ALDEIA GLOBAL”, porém o que se observa na realidade diária é que essa aldeia é um espaço disponível a poucos e que a unidade humana ferozmente tão sonhada por todos, desde os tempos de Édipo Rei, não passa de uma “Ideologização maciça” que tem na comunicação e na informação a base essencial para o “exercício de fabulações”.
Reflexos deste emaranhado de informações e tecnologias no cotidiano podem ser observados na paradoxal defesa da unidade de valores e a exacerbada luta da individualidade pela liberdade do pensamento coletivo, oferecendo simultaneamente, a possibilidade da igualdade de condições e a fraternidade entre os diferentes, como se todos fossemos obrigados a sermos autênticos, ao mesmo tempo em que precisamos aceitar todas as outras identidades e suas autonomias. Esse pandemônio de ideologia, somada ao poder das técnicas de comunicação, acelera constantemente a marginalização de povos e suas culturas, valores e saberes são extirpados constantemente, como se não carregassem em si nenhum romantismo histórico, que justificasse a certeza de existirem, nas luzes do mundo globalizado.
No entanto, não é somente de fantasias que se alimenta o imaginário, em tempos de globalização, também surge um mundo menos apocalíptico e mais justo. As metamorfoses do mundo globalizado, em partes são veementemente incompreendidas, pois se de um lado ocorre à destruição de verdades criadas ao longo de milênios, séculos ou décadas de história, por outro ângulo, se torna possível um mundo mais solidário, menos desigual, uma vez que nunca o indivíduo dominou tanto o conhecimento de si e dos outros, como na atualidade.
Para tanto é necessário democratizar os meios de informação, oferecer acessibilidade ao conhecimento, modernizar a educação e seus métodos, enfim, é necessário reconhecer a hegemonia do individuo sobre o planeta e sua capacidade técnica de evolução, partindo do conhecimento de si e se alastrando ao conhecimento do coletivo e das suas individualidades.
Ou nas palavras de Milton Santos: “Agora que estamos conhecendo o sentido de nossa presença no planeta, pode-se dizer que uma história universal verdadeiramente humana está, finalmente, começando. [...] Basta que se completem as duas grandes mutações ora em gestação: a mutação tecnológica e a mutação filosófica da espécie humana.”
Texto: Fernando Liberato. fls_80@hotmail.com